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Ensinar Geografia em tempos de Covid e a mecânica colonizadora da fome



Nesses tempos de pandemia são muitos os desafios para ensinar Geografia, mas alguns desafios não são novidades para professoras e professores mesmo no ensino presencial, pois a pobreza, a desigualdade social e a degradação ambiental são marcas que são visíveis na maioria das escolas públicas. Com a pandemia essa condição desigual e excludente foi ainda mais evidenciada, desta forma, a escola limitada pelos muros e por seus recursos passou a ser vivenciada para além dos muros com a realidade opressora do cotidiano das famílias pobres.

Ensinar Geografia nesse sentido elenca inúmeros desafios para refletir o quanto essa ciência no cotidiano escolar tem capacidade para intervir diretamente na realidade. É preciso denunciar a pobreza e as causas dessa e ao mesmo tempo educar para a superação da opressão, da violência, da fome e de tudo que avança de forma negativa sobre homens e mulheres da classe trabalhadora.


A fome existe, persiste e insiste pelo colonialismo brasileiro


“Queremos carne sem osso e farinha sem caroço” - frase motivadora do movimento contra a fome e os preços altos dos gêneros alimentícios na Bahia em 1858.


O colonialismo no Brasil é uma condição que impede a melhoria de vida de toda população brasileira, visto que o país colonizado busca a compreensão dos países imperialistas como sinalizadores de todas as políticas nacionais, em outras palavras, a soberania nacional é parcial e voltada para os interesses da classe dominante brasileira que se compromete com as questões do mercado mundial e se ausenta da responsabilidade com o povo brasileiro.

A organização econômica brasileira a partir dos commodities é uma condição que direciona os mais pobres para a pobreza sempre em progressão geométrica, pois o país do agronegócio é o mesmo país que se organiza institucionalmente para fomentar a riqueza para os ricos.

A fome no Brasil é uma realidade que agride milhares de pessoas nas mais diversas idades e localizações geográficas. A fome não é um fenômeno, algo que acontece de repente, a fome é um processo proposital que tem como centralidade a concentração de renda, a exploração dos mais pobres e a ausência do Estado quanto a responsabilidade em tornar viável o bem-estar do povo.

Essa ausência do Estado brasileiro se dá pelo compromisso com as elites nacionais e sua responsabilidade em promover o aumento permanente da taxa de lucro do agronegócio nacional somado a dependência proposital com o mercado internacional, em outras palavras, é o mercado internacional que direciona a fome no Brasil e a classe dominante junto com o Estado brasileiro aceita essa condição.

São os mais pobres que sempre tombam primeiro diante de qualquer reforma ou mudança econômica, bem como são os mais pobres que são levados às situações limites de sobrevivência diante de qualquer mudança na estrutura do Estado e do modo de produção. Assim, a fome atingirá sempre no Brasil os mais pobres, pois os mais ricos, mesmo com calamidades climáticas e ambientais, poderão recorrer ao consumo em outras regiões ou países. A fome no Brasil, construída pelo colonialismo, é endêmica e epidêmica, ou seja, a fome endêmica é aquela que não é visível para todos, ela ocorre permanentemente como desnutrição que atinge diretamente a classe trabalhadora mais pobre, essa desnutrição promove uma situação de vida degradante com resultados negativos e que revelam inúmeras doenças e mortes.

Referente a fome epidêmica é essa que ocorre nos momentos de calamidades naturais ou por negligência do próprio Estado; assim, a epidêmica parece mais destrutiva do que a endêmica, mas ambas são fome e isso significa que milhares de pessoas sofrerão uma tortura biológica terrível por ausência de nutrientes e calorias que posam manter seus organismos vivos. A fome prolongada impõe aos sujeitos a morte lenta, uma condição que na fome endêmica não aparece, mas que vai matando pouco a pouco, vai destruindo o organismo e inaugura dia a dia as doenças.

No Brasil a fome tem aumentado consideravelmente desde o fim dos governos Lula e Dilma, uma vez que esses governos, apesar de inseridos na lógica capitalistas do colonialismo, conseguiram compreender uma relação de maior equilíbrio entre a exploração contínua do Estado brasileiro e a necessidade de evitar uma fome endêmica. Mesmo assim, os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) não romperam com a estrutura endêmica da fome, isto é, não promoveram outras relações que subtraíram a dependência estrutural quanto aos mercados externos, em outras palavras, o PT, segundo Santos (2017, p. 68): “ [...] manteve-se o ajuste fiscal e o projeto de integração buscou mais uma paz social para o livre mercado neoliberal do que um projeto de autonomia nacional [...]”.


Mecânica da fome e o controle colonialista da classe trabalhadora


A mecânica da fome no Brasil é muito simples: o Estado sempre se compromete com as exigências do mercado internacional e age para que esse mercado possa dar lucro para a classe dominante nacional. Enquanto esse mecanismo age os sujeitos pobres são inseridos numa organização sistemática de controle social, político, econômico, cultural e, principalmente, biológico, uma vez que a fome é o máximo controle de um Estado que se organiza para manter a classe dominante com todos os seus privilégios.

A fome impede que as pessoas tenham força física e muitas vezes até mesmo discernimento psicológico e racional, pois a subnutrição e a morte do organismo debilita tanto neurológico como fisicamente os sujeitos. Um país com uma quantidade significativa de pessoas que passam fome, não importa a classificação da fome, tem grande possibilidade de manter no poder as mesmas famílias e os mesmos grupos econômicos. A cesta básica, portanto, é condição administrativa da classe dominante para subtrair permanentemente aqueles que passam fome de sua condição política de atuação voltada para as exigências de suas reais necessidades.

A popularidade de FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro ainda está vinculada a distribuição de renda para a subtração da fome, com isso se faz política no Brasil não com grandes projetos de Estado, mas com a fome como condição permanente de troca entre o conforto biológico por se alimentar e o desconforto e o sofrimento relacionado à ausência de calorias e nutrientes adequados para o bom funcionamento do organismo.

A estrutura colonial está inserida nessa relação permanente entre o conforto biológico e o sofrimento causado pela subnutrição crônica, pela morte diária do organismo e pela quantidade significativa de doenças promovidas por essa insegurança alimentar. O colonialismo é um movimento de dominação econômica, cultural e política, tais domínios atualmente evocam aos mercados financeiros, ao desenvolvimento e uso de tecnologias e a comunicação.

Deste modo, a estrutura de poder do colonialismo, como ação de dominação das empresas dos países exploradores, faz com que a fome nos países explorados seja uma condição para que exista uma política imorredoura de dominação sobre a classe trabalhadora, em outros termos, a fome é uma condição permanente para a exploração colonialista e capitalista ter como situação controlável, já que a população dos países empobrecidos não precisa de nada além de alimentos.

No caso do Brasil a população empobrecida é de mais de 55 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE de 2019; assim, a fome endêmica e epidêmica é uma constante na história da classe trabalhadora brasileira. Mais de 25% da população brasileira vive miseravelmente em condições degradantes com isso desnutrição e outras doenças atingem diretamente os mais pobres e os tornam facilmente vítimas de doenças, muitas vezes, com índices de mortalidade alarmante, como os casos de Covid-19 que tiveram maior mortalidade entre a população mais pobre (MUNIZ, FONSECA e PINA, 2020).


O que ensinar nesses tempos de fome e pandemia?


Agora milhares de crianças estão em casa e buscam forças para continuarem na frente do computador ou o celular com qualidade ruim tanto do aparelho quanto do serviço de internet. Suas forças são direcionadas pela forma como vivem, já que a maioria não tem a nutrição diária adequada para que possam viver com dignidade e com qualidade de vida. Olhamos para as questões apresentadas na BNCC e nas demais publicações institucionais que tratam da educação e não encontramos a realidade necessária para consolidar uma verdade revolucionária.

Nada que ensinamos em Geografia tem valor imediato para crianças que passam fome. É preciso mostrar os mecanismos da fome e como o mesmo em tempos de pandemia configurou ainda mais a opressão, a violência e a ausência dos direitos humanos. O ponto principal é a compreensão dos mecanismos de poder pela colonização persistente do povo e do espaço brasileiro, pois as crianças precisam de alimentos e esses são controlados pelo mercado nacional em consórcio com o mercado internacional, logo, é preciso que a Geografia Escolar estabeleça como ponto de partida a fome e como ponto de chegada a transformação real do espaço geográfico.


Referências

SANTOS, Gilson Silva, A questão da dependência estrutural no Brasil : análise das políticas econômicas do Partido dos Trabalhadores. Uberlândia: PPGEO-UFU, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/19881

MUNIZ, Bianca, FONSECA, Bruno; PINA, Rute. Covid-19: mortes de negros e pobres disparam. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/covid-19-mortes-de-negros-e-pobres-disparam/


@robinho_santana
Obra de Robinho Santana

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